No ano de 1910 fui para o Brasil, buscando uma vida melhor, porém não pensando na minha alma, fui, ao contrário do que pensava, desprotegido pela sorte, nunca juntando qualquer riqueza. Cheguei a abandonar a família e por ela ser abandonado. Nos fins do ano de 1914, estava a trabalhar no estado do Paraná numa Olaria e me vi desanimado no mundo e sem saber da família e sem a família saber de mim, não sabiam sequer se eu era vivo ou morto; então, pela primeira vez me ajoelhei e com os olhos postos no alto, proferi essas palavras: "Ó Deus, tem mesericórdia de mim, tu sabes que eu ando no mundo sem alegria, não sei da minha família, nem a minha família sabe de mim, conheces o meu sofrimento neste mundo, e, se depois de morrer ainda o sofrimento, tem mesericórdia de mim, salva a minha alma, dá-me uma luz para eu me salvar!"; chorei muito aos pés do Senhor, mesmo sem o conhecer, mas tudo aquilo passou e eu esqueci-me desse episódio, porém o Senhor não se esqueceu, porque o meu nome já estava escrito no livro da vida. Passado quase um ano, o Senhor fez saber por revelação a um servo em S.Paulo para ir ao Paraná, não sabia o que ia fazer, nem para onde ia, porque o Estado do Paraná é muito grande. O servo não duvidou e obdeceu ao Senhor; se meteu no comboio e andou muito tempo, mas era mais longe do que ele pensava, e se lhe acabou o dinheiro, teve de sair com o propósito de naquele lugar arranjar trabalho, e depois continuar a viagem para o Paraná, pois o Senhor o mandava. Quando desceu do comboio, passeava na estação, sem conhecer nada, mas, passado um momento, chegou-se a ele um senhor e lhe disse estas palavras: "Então o senhor vai passear?"; e ele lhe disse:"Tenho que ir ao Paraná, mas o meu dinheiro acabou-se e tenho que ficar por cá até conseguir algum dinheiro para prosseguir viagem". Então o homem lhe dirigiu estas palavras: "Venha comigo, que eu lhe pagarei tudo, e o senhor ficará a trabalhar na minha fábrica até que me pague as despesas que eu fizer por sua conta. E depois você irá para onde tiver que ir". O servo de Deus olhou para esse senhor e logo ouviu uma voz que lhe disse "Vai.". E ele foi.
Quando chegou ao Paraná, esse homem era o meu patrão levou o servo de Deus ao pé de mim, e falou para o encarregado: Este homem estava na estação tal (e citou o nome), vinha para o Paraná, mas não tinha dinheiro para prosseguir a viagem. Agora vai trabalhar nesta fábrica até pagar o que me deve e então poderá ir para onde quiser. Esse homem, servo do Deus altíssimo trabalhou e quando chegou à noite, foi dormir junto conosco e estavam várias pessoas no mesmo quarto, antes de dormir ele se ajoelhava e nós ficavamos todos admirados, porém ele não falou nada. Na manha seguinte ele pegou na bíblia sagrada e disse:"Estou aqui a trabalhar para pagar o que gastei, mas o Senhor nosso Deus não me mandou aqui para trabalhar, mas para anunciar a vida eterna."; e começou por dar testemunho da obra de Deus, todos recusavam, mas eu mostrei-me interessado em o ouvir, o Senhor me fez conhecer que era a verdade e depois eu fui para o mato, ajoelhei-me e disse para o Senhor:"Senhor, se esta é a verdade faz-me a conhecer, Tu sabes que eu sou homem pecador." Naquele momento o Senhor falou comigo:"Não me pediste uma luz, quando te ajoelhas-te no teu quarto? Eias a luz!"
Então me recordei da oração que tinha feito no meu quarto, quando estava aflito, chorei amargamente e pedi para ser batizado. Então o servo de Deus disse que era melhor eu ir para S.Paulo, pois nesse lugar eu estava sozinho e era muito longe. Passado poucos dias, o Senhor mandou esse seu servo de volta para S.Paulo e este disse-me a direcção e partiu. Então eu percebi, que esse homem tinha sido mandado por Deus, porque andou 3 dias de comboio, 10 léguas a pé, só para salvar a minha alma. Fui batizado em 1915 e permaneci em S.Paulo até 1918. Fui batizado com a promessa do Sspírito Santo e recebi o dom da Palavra, porém eu não sabia ler, então eu comprei um livro com as primeiras letras e pelas figuras que tinha a indicar as palavras eu fui aprendendo aos poucos, e ajoelhando-me com esse livro na mão fui pedindo ao Senhor que me ajudasse a aprender a ler, e aos poucos fui conseguindo soletrar as palavras. Passado muito tempo, Deus mandou-me para o Estado do Mato Grosso, ali sofri muita perseguição, estando preso 3 dias (comendo apenas uma refeição diária). O delegado daquela região falou-me que eu tinha de sair de lá, fosse como fosse, e se eu não saísse a bem, ele tinha coragem de me agarrar ao rabo de um animal e despedaçar-me pela rua.
Porém eu resisiti, somente obedecia ao Senhor, mas o povo pressionava tanto o delegado que ele se viu aflito e um dia ele ouviu a Santa Palavra de Deus e aí fomos libertados. Ele mesmo mandava manter a ordem e uma vez que eu ia antender ao serviço divino tinha vindo muita chuva e um riu encheu tanto que a passagem estava impedida, muita gente queria passar e não podia, mas eu ia antender a obra de Deus, andei bastante na margem do rio e num certo lugar vi uma árvore caída atravessando o rio, naquele momento orei ao Senhor e Ele falou em meu coração "atravessa". Eu tirei os sapatos e toda a roupa que trazia vestida e atei-a ao pescoço e de ramo em ramo alcançei a outra margem, quando o outro povo que me viu do outro lado, todos ficaram admirados.
Passado algum tempo, fui de novo para S.Paulo e num certo dia eu saí cum um irmão, e o irmão ia a cavalo e eu ia com o animal pelas rédeas e o irmão que ia em cima do cavalo disse-me: "Irmão Dominguez não sente falta da sua família."; e eu respondi: "Tem-me lembrado muito, e quando eu estava na prisão, o Senhor falou-me que o meu sofrimento era maior do outro lado." E o irmão respondeu-me "é preciso orar ao Senhor a esse fim". Oramos com uma porção de irmãos e o Senhor confirmou o meu regresso a Portugal em 1920. Quando regressei a Portugal, procurei a minha família e logo começei a anunciar a Obra de Deus que ninguém conhecia e a perseguição logo começou. Chamaram-me de tudo o que era mau, mas fui resistindo com paciência e a minha família dava mais crédito às coisas de Deus então continuei, o meu filho acompanhava-me.
Um dia esperaram-nos e fomos brutalmente agredidos. Cheguei a casa todo ensaguentado, a minha esposa gritava que queria justiça, mas eu esperei no Senhor. Eu era muito pobre e tinha que trabalhar muito, mas por causa da Obra de Deus, só me davam trabalhos que os outros não queria fazer, fui despojado por todos, chegaram-me a querer amarrar a um carro com um animal. Deixei o trabalho e fui para casa e orei ao Senhor, a minha família que gostava das coisas de Deus se afastou e fiquei esperando na graça de Deus.
No ano de 1924 voltei para o Brasil, e o Senhor revelou aos irmãos em S.Paulo que eu me encontrava em tribulação e no ano seguinte regressei a Portugal. Vim para a cidade do Porto e trabalhei na agricultura, procurei um irmão que tinha na cidade e encontrei-o, mas ele quase não me falava por causa da Obra de Deus, continuei a visitá-lo e um dia almoçamos juntos lá em casa. Minha cunhada encontrava-se possuída por espíritos, o meu irmão tinha tentado de tudo e ele encontrava-se cada vez pior. Eu falava-lhe da obra de Deus, mas ele ria-se e não acreditava, mas eu com paciência sempre lhe dizia que o Senhor podia libertá-la, mas quando íamos orar para o almoço, o Senhor me deu de lhe falar: "Vou pedir a Deus por ti, para libertar a minha cunhada", mas ele respondeu-me:-Já corri tudo, bruxas, benzedeiras, padres e ninguém a curou e tu vais curá-la agora?. Eu não, mas o Senhor. -respondi-lhe. Quando nos ajoelhamos Deus me deu uma oração com tanta força do Espírito Santo que se ouviu um estrondo, como se a casa se tivesse partido e a minha cunhada ficou caída em terra e foi libertada por completo.
E assim começou a obra de Deus em Portugal, quando o meu irmão e o meu cunhado obdeceram ao mandamento de Deus. Deus começou a juntar o povo, embora pouco e alugamos um pequeno sobrado para nos reunirmos, nessa altura eramos 3 ou 4 almas. O Senhor preparou-me também um emprego melhor onde dispunha de mais tempo. A perseguição começou a endurecer cada vez mais, jogavam pedras às janelas, partiram vidros, caixilhos e as pedras caíam lá dentro, mas sofriamos com paciência, passados alguns anos já havia um grupozinho. Alugamos uma casa maior e o Senhor nos abençoava grandemente, embora a guerra fosse dura, mas o Senhor nos abençoava. Mas aí, veio o lobo para o meio do rebanho. Eu tinha pouca experiência e veio um "suíço", Daniel Berg da Assembleia de Deus, como ovelha humilde eu dei-lhe entrada começando a trabalhar conosco, mas de caso pensado começou logo a estragar a obra de Deus. Tinhamos casa, bancos, livros, mas tudo, de pouco a pouco passou para o seu nome. Fez tudo bem feito e depois deixou de vir aos cultos.
Nesse tempo, o Senhor atendeu ao meu clamor, que Lhe pedia que me enviasse um servo que me ajudasse no serviço ministerial, ele chamou o meu filho Albino, quando eu pensava que era o Daniel Berg, mas esse era o lobo, quando o Senhor preparou o meu filho Albino para me ajudar e eu pensava que a obra de Deus crescia, mas aconteceu o contrário pois o lobo devorou o rebanho, ficando com tudo (casa, bancos, livros etc) e ele respondeu-me que tudo o que ali estava era dele. Então, eu chorei aos pés do Senhor e disse que todo o meu esforço estava reduzido a 5 irmãos, sem casa, sem livros, sem bancos etc. Voltamos para o mesmo sobrado, sem vidros nem caixilhos e clamando a mesericórdia do Senhor, então Deus mandou para o nosso meio, 2 irmãos vindos do Rio de Janeiro que muito nos alegraram, Jesus da Silva Moreira e José Maria Simões, permaneceram concosco algum tempo e nos conformaram grandemente.
Logo, o Senhor revestiu o meu filho com o dom da Palvra, que já me auxiliava bastante. O Senhor começou a chamar mais povo, alugamos outra casa, mas moveu-se novamente uma grande perseguição contra a obra de Deus, então o meu filho já estava na frente pois trabalhava muito longe. Ele foi apedrejado e arrastado e impedido de reunir pelo barulho que faziam, mas fomos sofrendo com paciência até à vitório. Agora o Senhor tem chamado mais servos e a Obra de Deus tem crescido e a minha carreira vai terminando, mas a Obra de Deus continua, lutei até ao fim, agora espero o que o Senhor me reservou lá no céu.
Glória a Jesus Cristo! Aleluia!
1ºAncião Português Falecido em 17/12/196X
Domingos de Sá.